domingo, 8 de agosto de 2010

Acordar

A quarta palavra que eu mais odeio:

Acordar.
(v.intr. Sair do sono)

Como eu espero que todos tenham percebido, eu tenho uma certa adoração pelo sono, já explicada em posts anteriores.
Eu idolatro, porém, o sono brando, ininterrupto, do qual você, ao acordar, se sente na liberdade de virar para o lado e retomá-lo. Eu idolatro o sono calmo e despreocupado das férias, dos feriados, do final de semana, da tarde preguiçosa na casa da sua vó ou da sua tia, depois do almoço. Não o sono bruscamente assassinado pelo grasnar irritante do despertador. Não o sono dos dias úteis, não o sono de segunda a sexta. Esse é o sono decepcionante, o sono que é sempre insuficiente.

O sono, como eu já expliquei, é algo fantástico. É a fuga ideal dos problemas e preocupações do dia-a-dia. Você chega em casa, depois de um dia fodido, tira os sapatos, toma um banho, mas nada disso retira dos seus ombros a frustração da rotina. É apenas quando você encosta a cabeça no travesseiro, apenas quando a areia mágica dos bons sonhos cai sobre seus olhos, que a paz vêm até você. É algo incrível, genial...

Até que, as 6:30 da manhã, o apitar incessante do despertador te retira desse mundo onírico, te joga de volta ao desprezível planeta Terra e te condena à um dia corroído pelo sono.

O sono, companheiros, não é como uma vaca, que você pode domesticar facilmente, chamar de Mimosa e ordenhar quando bem entender. O sono é como a Corça de Cerineia, com chifres de ouro, pés de bronze e uma velocidade assustadora, enquanto nós somos como Hercules, fadados à persegui-la por anos a fio, tentando capturá-la e domá-la. Alguns, como meu pai, por exemplo, conseguem. Outros, como eu, falham miseravelmente. Em suma, o sono é indomável, teimoso, esquivo, imprevisível.

Porém, o ser humano é incapaz de aceitar isso. Ele se recusa a aceitar que o sono é algo que simplesmente não pode ser controlado. Então, ele tenta domá-lo, usando o artifício mais cruel já inventado: o despertador.
O despertador é a invenção mais filha-da-puta da face da terra. Ele retira o prazer do sono, transforma-o numa obrigação. Chega a ser triste dormir sabendo que no dia seguinte seu sono será cruelmente mutilado pelo despertador. E é ainda mais triste acordar com o agudo ralhar da máquina infernal no seu ouvido, gritando para que você acorde para mais uma dose diária de tédio, frustração e revolta.
Pior que isso, apenas o botão soneca. O botão soneca é a coisa mais atroz (pra não dizer idiota) que já passou pela cabeça de um homem. O despertador, como diz o nome, serve para despertar. Colocar um botão soneca no despertador é de uma crueldade sem fim. Ao invés de você se levantar de uma vez, se livrando rapidamente da tortura do despertador, você se vê apertando aquele botão maldito a cada cinco minutos, alimentando a doce ilusão de que aquele sono será o realmente recompensador, agindo como um moribundo se prendendo desesperada e irracionalmente aos fiapos de vida restantes em seu corpo. O cara que inventou essa merda devia ser processado em Haia por crimes contra a humanidade.

Como vocês vêem, acordar cedo é algo que pode acabar com o dia de qualquer um. O sono é algo feito para ser praticado de acordo com o indivíduo, pelo período que ele bem deseja, e não algo à ser programado e padronizado, como uma máquina. Você não pode dizer à um homem que ele deve medir 1,7 metros, calçar 40 e ter a pele clara. Por que, então, você deveria dizer à ele que ele têm de acordar as 6:30 da manhã?

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