domingo, 21 de março de 2010

O Homem que não se atrasava.

Acordou repentinamente, sem conseguir dormir novamente. Após rolar na cama algumas vezes, ele se levantou e se arrumou. Passado um tempo, estava em seu carro, indo para o consultório no qual tinha sua consulta marcada. O rádio tagarelava sobre congestionamentos e pontos de lentidão no caminho que ele deveria tomar, mas ele não se preocupou: sabia que o tempo que tinha seria suficiente. Mais que isso: tinha certeza de que chegaria a tempo. Então, apesar do movimento nas ruas, do estacionamento lotado e do elevador que teimava em não chegar, ele entrou no consultório, exatamente no horário marcado.

Perfeitamente pontual.

Se não fosse por isso, ele seria apenas outro indivíduo qualquer. Tinha um emprego relativamente bom, um carro comum, morava num apartamento simples, num prédio normal. Porem, algo o separava das outras pessoas: ele nunca havia, em toda sua existência, se atrasado para nada. Seu emprego, uma festa, aulas, consultas, nada. Ele jamais havia conhecido a angústia de desrespeitar um horário, de estar atrasado.
Obviamente, ele sabia que aquilo era incomum. Na sua infância, se perguntava porque todos se preocupavam tanto com os horarios. Na sua juventude, havia tentado encontrar alguma razão ou tirar algum sentido daquilo, sem sucesso. Atualmente, havia se conformado e aprendido a conviver com sua peculiar característica.
Não era algo perfeito, obviamente. Embora ele fosse pontual sempre, os outros não eram, e frequentemente ele tinha de suportar o atraso dos outros, como aconteceu naquela manhã, na sala de espera do médico.
Após a espera, o médico, aparentemente preocupado, lhe informou da doença rara e de difícil tratamento que ele tinha. A única pergunta feita por ele, após um instante de silêncio, foi:
_Quanto tempo tenho de vida?
_Bem, disse o médico, sem tratamento algum, acredito que você tenha 6 meses de vida...
_Obrigado.
_Mas o tratamento pode prolongar esse tempo substancialmente, quem sabe até curá-lo...
Nesse momento, ele já havia deixado a sala.

Os últimos meses haviam passado de maneira incomum. Com certeza, o que ele mais estranhara era poder acordar sem nenhum compromisso, virar para o outro lado e cair no sono novamente, sem ser mantido acordado por o que quer que fosse que o impedia de se atrasar. Naquela noite, ele se deitou, preparado para o compromisso inadiável que teria no dia seguinte. Sabendo que, não importa o que acontecesse, ele não iria se atrasar, ele adormeceu.
Não acordou mais.
Exatos seis meses haviam se passado desde o dia em que havia recebido seu prazo de vida.

Perfeitamente pontual.

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