terça-feira, 10 de maio de 2011

Osama

E na série "notícias atrasadas em uma semana": Morreu Osama bin Laden.

Mas não é sobre isso que eu estou aqui para falar hoje, após um mês de abstinência escrital.
Estou aqui pra falar sobre a morte de alguém muito mais notável:

O/a Lacraia.

Para quem não sabe, o indivíduo acima mencionado, apelidado em homenagem ao conhecido animal peçonhento de formato longo e movimentos imprevisíveis, é um dançarino famoso pela sua performance... extenuante... no hit nacional de 2003, "Égua Pocotó".

Para os infelizes que não apreciam a fina arte do Funk Carioca, tal canção é baseada num poema épico de Sérgio Braga Manhãs, entitulado "A Égua Cavalgante", que foi amplamente considerado pela crítica nacional e internacional como um dos mais fortes concorrentes à grandes prêmios literários, incluindo nessa lista o Nobel de Literatura (que foi injustamente concedido ao sul-africano J. M. Coetzee). Tal poema foi musicado um ano depois pelo conhecido e aclamado músico carioca MC Serginho. Serginho, movido pelo amor à arte, realizou uma primorosa versão musical do poema, com o intuito de espalhar esse belíssimo trabalho literário às massas. A canção, entitulada "Égua Pocotó", foi escrita de modo a facilitar a compreensão da obra pela população menos educada sem, contudo, reduzir a beleza do trabalho original. Numa das passagens mais memoráveis, o cantor utiliza de forma estupenda o recurso das onomatopéias para exaltar o cavalgar de sua amada égua ao declamar: "Pocotó, pocotó, pocotó, minha éguinha pocotó!".

Realmente, um trabalho magnífico.

A música era acompanhada por uma performance do dançarino Lacraia, que ajudou ainda mais a divulgá-la com seus estafantes e quase incompreensíveis movimentos corporais. A parceria entre o músico e o dançarino durou mais de 6 anos antes que Lacraia, após ficar incomensuravelmente rico devido aos anos de sucesso, resolveu se aposentar.

Sua vida de marajá terminou hoje, porém, com sua triste e precoce morte.

Agora, vocês devem estar se perguntando "por que, Fábio, estás tu a divagar sobre um reles dançarino de funk, quando personalidades tão notáveis como o bin Laden morreram tão recentemente?"

É simples, meus caros. MC Serginho e o/a Lacraia, com sua éguinha pocotó, pocotó, pocotó, marcaram em minha juventude o início da ditadura da música ruim.

Assim como bin Laden mudou o mundo ao realizar o maior atentado terrorista da história, a "Égua Pocotó" mudou o cenário cultural brasileiro ao ressucitar o funk, realizando um verdadeiro atentado cultural.

No momento em que a voz rouca e desafinada de MC Serginho irrompeu de algum alto falante e se aproximou violentamente de meus tímpanos, foi como se as torres gêmeas da boa música fossem atingidas por aviões sequestrados pelos terroristas do funk carioca.

Se a "Égua Pocotó" fosse um fenômeno isolado no ambiente musical, já seria por si só algo desagradável. Porém a situação foi muito pior. O sucesso da "música" abriu espaço a outras atrocidades sonoras, desprovidas de gosto, desagradáveis e vulgares. Atrocidades como o "Créu", a "Dança da Motinha" e toda a discografia da Tati Quebra-Barraco, que desde então me acompanham constantemente, me perseguindo através do alto-falante do carro de seres desprovidos de massa encefálica.

A morte do/a Lacraia é uma lembrança do ínicio dos tempos obscuros de fama do funk carioca. É uma oportunidade de reflexão, uma maneira de nos lembrar que, assim como a bomba atômica, o terrorismo e o fanatismo religioso, existem coisas que seriam melhores se fossem simplesmente esquecidas.

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